Essa é uma história interessante…
Tempos atrás, um senhor me procurou para falarmos sobre investimentos. Iniciou o diálogo com muitas perguntas… Num primeiro momento, nem reparei que o diálogo tornara-se um jogo de perguntas e respostas. E só eu dava as respostas. Até que num dado momento me dei conta do que ocorria.
O senhor tinha uma fala simples, em alguns momentos até meio grosseira. Tratei de modificar o rumo da prosa e comecei a investigar também o meu interlocutor, inserindo questionamentos em cada resposta que eu dava e colocando-o para falar.
A conversa continuou, mas enveredou de maneira muito para o lado dos imóveis. Muitos exemplos com imóveis vinham do meu potencial cliente. O sr. João (nome fictício) insistia em me perguntar o que teria ocorrido com os imóveis… Porque atualmente os imóveis não davam (eu pensei: não dão?) o mesmo retorno que antigamente… Enfim…
O Sr. João começou a falar de muitos negócios que fizera com imóveis, terrenos, sítios, fazendas e imóveis urbanos desde que deixara o interior do Estado onde reside. Comecei a perguntá-lo então sobre esses negócios e ele foi se abrindo.
O milionário:
Resumo: o Sr. João construiu um império em imóveis. De agricultor do interior, fora negociando terras, depois terrenos urbanos, depois pequenos imóveis e, ao longo de mais de 30 anos tinha um patrimônio aproximado de 20 milhões de reais. Saindo do NADA. Não teve herança. Não teve ajuda, não teve loteria. O Sr. João construiu sua vida negociando imóveis.
Bem, diante dessa conversa, pensei: “em que posso ajudar um cidadão que construiu e falava com orgulho de um belo patrimônio a partir do nada? Não tenho nada pra ajudar. Só mesmo para aprender com ele”. Resolvi ser um pouco mais contundente e disparei: “Sr. João, em que posso ajudá-lo?”
O milionário pobre:
O Sr. João fechou o rosto. Parecia até envergonhado. Foi então que ele me disse: “André, estou passando necessidades financeiras!”. Eu não acreditei. Dei um sorriso pensando tratar-se de uma brincadeira. Não era. O Sr. João iniciara um processo de endividamento e isso começava a preocupá-lo. O Sr. João era o caso típico do milionário pobre. Zero de liquidez.
Perguntei pelos imóveis e aí veio o desenrolar do enigma. O Sr. João foi construindo sua vida em imóveis. Nos períodos inflacionários e de planos econômicos adotados pelo nosso país, sempre buscou refúgio nesse tipo de investimento e estava agora com TODO o seu patrimônio em imóveis. E a partir daí, o Sr. João começou a obter uma bela renda proveniente dos aluguéis dos seus imóveis, até que uma vez foi procurado por uma grande empresa (dessas maiores do país) interessada em locar um de seus galpões. O negócio foi fechado e a empresa foi demandando outras instalações, salas comerciais e o Sr. João foi vendendo e comprando imóveis que atendessem as necessidades dessa empresa. A rentabilidade era excelente. E a empresa, sem dúvida alguma, de altíssima confiabilidade, sempre cumpridora dos seus compromissos.
Quando deu por si, o Sr. João estava com TODO os seus 20 milhões em imóveis, locados para essa empresa e para uma subsidiária. Andares inteiros em prédios comerciais, abertos, todos adaptados às necessidades do cliente.
Num belo dia, o Sr. João recebeu uma carta da empresa, informando que não renovaria os contratos de aluguel, pois havia construído sedes próprias. Então o Sr. João se viu numa situação desesperadora: TODO o patrimônio imobilizado. Fez-se o milionário pobre!
Para alugar aqueles imóveis, seria necessário investir em reformas, colocar paredes, reduzir os tamanhos e muitas outras obras de melhoria. O Sr. João tentou então outras empresas de grande porte, sem sucesso. Depois de alguns anos, os impostos começaram a se acumular, as taxas de condomínios e as despesas de manutenção cresceram. Foi então que, sem rendimentos, o Sr. João se viu desesperado! Tinha ele um belo patrimônio, mas que não podia fazer nada com ele. Fez algumas tentativas de venda, mas como a sua necessidade de capital tornou-se crescente, teve necessidade de vender alguns com preços bem abaixo do mercado, levando considerável prejuízo.
E assim, todas as despesas geradas pelo seu patrimônio estavam o estrangulando.
Sem dúvida alguma, foi um dos atendimentos mais angustiantes que fiz na minha vida. O erro clássico do Sr. João foi a concentração de todo o seu patrimônio em apenas uma modalidade de investimento, sem liquidez alguma e, além disso, locar seus imóveis para apenas 1 cliente.
Virei psicólogo. Virou uma sessão de terapia. A dificuldade maior foi o Sr. João, que construiu toda a sua vida investimento em imóveis, assimilar que os imóveis não são a única forma de investimento disponível. E que podem ser uma excelente alternativa de investimento, mas que não devem ser 100% do patrimônio de uma pessoa em hipótese alguma.
Sentindo-me extremamente impotente diante da situação, encerrei o encontrou informando que marcaríamos uma nova reunião, que eu avaliaria melhor a situação e se ele poderia me enviar alguns dados por email.
Passados alguns dias, nos encontramos novamente. Para minha surpresa, o Sr. João estava bem mais feliz, aberto as novas possibilidades. Falamos da relação risco x retorno (clique aqui para ler meu artigo sobre esse assunto), falamos sobre o índice de cobertura, falamos sobre alocação de recursos, sobre diversificação, sobre seguro patrimonial, sucessão e vários conceitos relacionados a finanças e investimentos. O Sr. João demonstrou uma vontade absurda de discutir esses assuntos e depois dessa segunda reunião, trocamos ainda muitos emails.
Um dos pontos críticos da alocação de investimentos é a diversificação. Muitas pessoas pensam que a necessidade de diversificação vem somente da necessidade de reduzir risco. Não é verdade. A diversificação vem também das necessidades financeiras e de nossa proteção contra imprevistos.
O que fazer nesse caso:
Enfim, traçamos um planejamento onde o Sr. João necessitaria vender uma parte dos seus imóveis e constituir uma reserva com liquidez que pudesse suprir suas necessidades imediatas de subsistência e de outros custos. Escolhemos os imóveis menores (sugestão do corretor de imóveis que o atendia), pois a facilidade de venda seria melhor. E aos poucos o Sr. João foi desmobilizando sua fortuna.
Aos poucos fomos trabalhando na composição de seu patrimônio de forma que tornou-se possível ao Sr. João equilibrar as finanças, gerar caixa com aplicações líquidas e preparar os imóveis restantes para locação pulverizada.
Um tempo depois ele me escreveu dizendo que o plano que traçamos está quase concluído, já alugou grande parte dos imóveis restantes. Todo esse movimento durou cerca de 2 anos. O Sr. João deu muita sorte. Foi tudo MUITÍSSIMO RÁPIDO.
O que tirar de lição?
Acho que o que mais ficou de lição para todos os envolvidos é que sem um planejamento de investimentos adequado, nem um milionário está isento de eventuais contra-tempos que podem se tornar muito graves. E que a correta alocação do patrimônio é peça chave para o sucesso financeiro pessoal.
Ao Sr. João:
Obrigado por permitir a socialização do seu caso aqui, Sr. João. Sem dúvida, acredito que irá contribuir muito para outras pessoas.
Um grande abraço,
André Bona