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A reforma da previdência é uma necessidade, uma vez que o atual sistema caminha inexoravelmente à bancarrota. O Congresso Nacional discute uma reforma, a qual deverá ser votada em breve. É preciso entender por que a reforma é fundamental; por que esta em discussão é importante, contudo, inadequada; e qual a solução possível. Registro aqui a minha contribuição para esse debate.

Sistema de Repartição

O sistema previdenciário brasileiro é baseado num regime conhecido pelo nome de “regime de repartição”. O regime de repartição é simples e segue a lógica de como a humanidade cuidara de seus idosos por milênios: as pessoas têm bastantes filhos, e os filhos repartem o ônus de ter que cuidar dos pais quando esses ficam velhos demais para garantirem seu próprio sustento.

Noutras palavras, chegava o momento em que os mais novos reconheciam o problema e passavam a agir como se dissessem: “fizestes a vossa parte por nós; agora retribuiremos vosso esforço.” O regime de repartição, portanto, para preservar sua viabilidade, depende ou de uma alta taxa de natalidade ou de considerável geração e acúmulo de riqueza. Afinal, quanto mais pessoas repartirem o ônus de cuidar dos idosos e inválidos e/ou quanto mais recursos essas pessoas tiverem, menor será o fardo que compete a cada um nessa tarefa.

Problemas do Atual Sistema

O regime de repartição funcionou muito bem por muito tempo. No entanto, os sistemas baseados nesse regime passaram a ter problemas recentemente [i.e., considerando a história da humanidade].

Primeiro, o regime foi incorporado às funções de Estado através de um amplo e abrangente sistema de previdência social. Ao invés de a responsabilidade recair sobre as famílias e as pequenas comunidades, passou a ser da sociedade como um todo através do Estado. Com isso, o regime de repartição foi despessoalizado. Não se sabe mais quem é o beneficiário do próprio sacrifício.

Segundo, aumentou-se a longevidade média das pessoas. As pessoas aposentam-se, mas tardam a morrer. Assim, aqueles em idade ativa precisam passar mais tempo carregando o ônus de sustentar quem parara de produzir.

Terceiro, as pessoas pararam de ter muitos filhos. O número de filhos por casal caiu vertiginosamente nas últimas décadas. Portanto, a razão entre o número de pessoas em idade ativa e o de aposentados também reduziu-se drasticamente. Há menos gente para carregar um fardo maior.

Quarto, o regime de repartição passou a sofrer abusos dentro do sistema de previdência social. Ao menos no Brasil, as regras de aposentadoria passaram a ser diferentes para quem trabalha no setor público e quem trabalha no setor privado. O ônus de sustentar cada inativo oriundo do serviço público é muito maior. Proporcionalmente, as aposentadorias do setor público são absurdamente muito maiores do que as devidas àqueles que trabalharam no setor privado.

Reforma em Discussão: Insuficiência

Em resumo, diminuiu-se os incentivos para auxiliar os mais idosos, aumentou-se o tempo em que tal assistência é devida, reduziu-se a quantidade de pessoas para com quem repartir o ônus, e há desigualdades injustificáveis nos valores devidos de aposentadoria. Do jeito que está, o sistema é insustentável. É fundamental que haja reforma.

A atual reforma em discussão no congresso é importante. No mínimo, ataca algumas das questões apontadas acima. Porém, essa reforma é insuficiente. Trata-se apenas de retardar algo inescapável.

O regime de repartição funciona como um “esquema de pirâmide” – enquanto novas pessoas entram no esquema, tudo bem. Todavia, quando isso deixa de acontecer, o esquema rui. Quem entra no fim, sempre perde.

Na nossa sociedade, não há mais pessoas “entrando no esquema” em quantidade suficiente para sustentar um sistema baseado no regime de repartição. É mister que se faça uma reforma estrutural.

Sistema de Capitalização

Porém, a solução foi retirada do projeto. O regime de capitalização terá que ser implementado noutro momento – porém, terá que ser implementado.

Hoje, no Brasil, quem trabalha paga a aposentadoria de quem já trabalhou. O recolhimento de INSS não é, pois, garantia de nada para quem recolhe; apenas, para quem recebe. Quem hoje recolhe apenas espera que haja quem possa sustentá-lo quando for sua vez de se aposentar.

No regime de capitalização, isso não ocorre. Tal regime independe da entrada de novas pessoas para garantir seu sustento, pois cada um financia sua própria aposentadoria. O recolhimento de INSS num regime de capitalização é realizado em benefício próprio; não, de outrem. O meu trabalho garante a minha aposentadoria.

Um sistema de previdência social baseado em regime de capitalização funciona como uma poupança compulsória; não sendo, nesse sentido, essencialmente muito diferente do FGTS. A cada novo recolhimento, o dinheiro seria depositado num fundo; e o valor acumulado ficaria rendendo juros até o momento da aposentadoria.

Proposta de Reforma Previdenciária

Baseando-me no regime de capitalização, imagino que uma nova Previdência Social para o Brasil funcionaria da seguinte forma:

Piso Mínimo do Valor da Aposentadoria

1) Estabelece-se um piso mínimo igual para todo mundo.

1a) O piso funcionaria como um teto para o sistema de repartição.

1b) O sistema de repartição não seria totalmente abolido, passando a ser complementar; em benefício apenas de quem não conseguisse atingir o piso mínimo com suas contribuições.

Idade de Aposentadoria

2) Idades mínimas de aposentadoria poderiam ser diferentes, mas essas afetariam o valor a receber acima do piso devido ao tempo de contribuição.

Contribuição

3) A contribuição seguiria obrigatória.

3a) Um determinado percentual da remuneração do trabalhador – seja empreendedor, investidor, autônomo, e/ou empregado – seria descontado e depositado periodicamente em uma conta de investimento em renda fixa.

3b) Contribuições acima do mínimo legal seriam permitidas, ficando a critério do trabalhador.

3c) As escolhas tanto da instituição financeira quanto do tipo de investimento ficariam a cargo do trabalhador, podendo alterá-las caso seja de seu interesse.

3d) Empreendedores, investidores, e autônomos que deixassem de fazer as contribuições, essas seriam devidas junto com o pagamento do Imposto de Renda ou equivalente.

Cálculo de Aposentadoria

4) O valor a receber seria calculado sobre o valor contribuído.

Valor Abaixo do Piso

4a) O primeiro cálculo atuarial seria sobre o tempo em que o aposentado conseguiria receber o piso mensal até um limite de 20 anos.

4a.I) Não chegando ao piso mensal, a diferença até o piso seria coberta pela Previdência.

4a.II) Caso o valor seja insuficiente para cobrir o piso por todo o período de 20 anos, após o tempo para o qual seja suficiente, o piso passaria a ser coberto pela Previdência.

Valor Acima do Piso

4b) Havendo diferença em favor do contribuinte, faz-se um novo cálculo, apresentando-se opções de escolha ao cidadão aposentado:

4b.I) como gostaria de receber a quantia (à vista, anualmente, ou mensalmente); e

4b.II) se continuaria contribuindo para seu próprio fundo.

Aposentadoria como Verba Complementar

5) Atingida a idade mínima, caso seja do interesse do trabalhador, ele pode passar a receber a aposentadoria e seguir trabalhando normalmente.

5a) Não haveria mais aposentadoria compulsória por idade.

Vivendo Além do Prazo

6) No caso de o cidadão viver mais de 20 anos após sua aposentadoria, o piso passaria a ser pago como Assistência Social.

6a) Tendo o aposentado seguido contribuindo com a Previdência, refaz-se os passos descritos no ponto ‘4b’ acima.

6b) Eventuais valores a receber não prejudicariam o recebimento do piso nesses casos.

Seguro-de-Vida

7) Em caso de falecimento, caso haja um valor ainda a receber, esse passaria aos herdeiros como seguro-de-vida.

Considerações Finais

Problemas da Proposta

É evidente que a proposta está incompleta e tem problemas. Por exemplo, não há menção sobre como seria feita a transição entre o atual sistema e o novo. A proposta ainda deixa em aberto diversas questões.

O que ocorre com o aposentado que recebeu tudo à vista, mas perdeu o dinheiro? Deve a sociedade passar a pagar-lhe o piso? Não seria isso um incentivo ao desperdício? Se isso ocorre, qual o incentivo para continuar contribuindo para a Previdência após a aposentadoria? Tudo isso e mais terá que ser enfrentado.

Único Caminho Possível

No entanto, inexiste outro caminho. Somente o sistema de capitalização resolve a Previdência. Trata-se do único sistema que independe ou, no mínimo, reduz a dependência de um crescimento populacional considerável para tornar-se viável.

Como foi dito, no sistema de capitalização, cada um financia sua própria aposentadoria. Aqueles que quiserem receber mais, basta-lhes que poupem/contribuam mais – seja para a Previdência ou para outro investimento que queria fazer para tal fim.

Outra vantagem é que o valor recolhido funciona como seguro-de-vida. Assim, não apenas a pessoa recolhe em benefício próprio; não somente deixa de ser um fardo para os mais jovens em qualquer hipótese; mas como pode vir a ajudar os seus em caso de infeliz fatalidade.

Combate à Injustiça

Ademais, o sistema de capitalização corrige injustiças como as aposentadorias do setor público brasileiro. Ao menos no âmbito federal, todos os cidadãos brasileiros passariam a ser iguais para a Previdência Social, sem distinção entre o setor público – onde as aposentadorias são proporcionalmente muito maiores – e o setor privado – ao qual compete as migalhas.

Outrossim, ao atacar-se esse problema na esfera federal, a situação nos estados e municípios tenderá a tornar-se politicamente insuportável – já o é econômica e moralmente. Reforma semelhante logo se seguiria nas esferas inferiores do poder público.

Sistema de Repartição Continua

Por fim, a sociedade continuaria obrigada a assistir os seus mais necessitados. Contudo, com a adoção de um sistema de capitalização, o peso dessa tarefa ficaria menor. Ademais, nada impede que o antigo sistema de repartição continue em voga nas famílias e em menores comunidades. O Estado não tem poder de aboli-lo, ainda que possa criar incentivos, até mesmo sem intenção, para sua redução.

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Mestre em Direito (UFRGS) e em Política (CUA, EUA), tendo escrito e apresentado trabalhos, no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. Fez movimento estudantil de Direita quando a Direita brasileira toda entrava numa kombi e sobrava, e quase apanhou do ator Danny Glover em ação promovida pelo IL/RS num Fórum Social Mundial. Hoje é casado, pai de dois filhos, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, joga rúgbi, administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna), e só cria confusão pela internet.

1 comentário

  1. Sou a favor do sistema de capitalização, entretanto o autor do artigo se “esqueceu” de mencionar pontos importantes.
    No Chile, onde foi adotado o regime de capitalização com contribuição unicamente do trabalhador, mostrou-se insustentável no tempo, pois as aposentadorias são baixíssimas.
    Em outros países, muitos países, esse mesmo sistema foi importando, entretanto com contribuição paritária também do empregador. Em outros, poucos, além do empregador, o estado também contribui ao longo da vida laboral do cidadão.
    Dessa forma, o sistema funciona muito melhor e dá condição de vida digna ao cidadão na velhice.

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